O promotor de Justiça D. L. S, que acusa três policiais militares de Feliz Natal por suposta venda ilegal de madeira apreendida, acompanhou, por mensagens registradas em Ata Notarial, atos que agora classifica como irregulares na Ação Civil Pública nº 0.000.5444_057.
As conversas mostram que a criação do grêmio era de seu conhecimento meses antes da apreensão e que tratativas de vendas sem edital são práticas comuns na região. O caso reacende o debate sobre o vazio legal que envolve leilões de madeira apreendida em Mato Grosso.
A destinação da madeira segue a Lei nº 9.605/1998 e o Decreto nº 6.514/2008, que preveem a doação, feita a órgãos públicos, escolas, igrejas, conselhos comunitários ou entidades sem fins lucrativos, e autorizam o leilão, mas não trazem normas sobre como ele deve ser realizado, o que resulta em procedimentos distintos entre comarcas.
Na ACP, o MP sustenta que os 259 m³ apreendidos foram “desviados por meio do Grêmio dos Policiais Militares”, numa suposta venda fraudulenta com uso de conta pessoal, ausência de edital, falta de orçamentos de frete e pagamento sem licitação.
As mensagens revelam, porém, que o próprio promotor jamais mencionou a necessidade de edital, exigência que só passou a formular na ação civil. Ao contrário, orientava práticas informais, como pedir para que telefonistas ligassem para madeireiras em busca de propostas. Às 10h02 de 17/05/2024, escreveu: “Peço para as telefonistas falarem com as madeireiras da cidade, ver se fazem uma proposta nessa madeira (…). Preferência para proposta à vista, mas creio que dá para parcelar”.
Diferença na medição
Na ACP, o MP afirma que apenas 129 m³ foram posteriormente encontrados e que o lote teria sido vendido abaixo do mercado. Policiais e empresários explicam a divergência: a Polícia Militar Ambiental mede a tora pela base e pela ponta; o mercado considera apenas a ponta, que representa a madeira aproveitável. Toras ocadas (“ocos”) e cascas são descartadas no cálculo comercial.
Por esse critério, o volume comercial do lote foi de 180 m³, e não 259 m³. Fotos registram várias toras com ocos e áreas brancas no pátio do quartel.
A doação e o leilão
A doação foi formalizada em 13 de setembro de 2024, e o leilão ocorreu no dia 26. O capitão Assis buscou orientação com o presidente do Conseg de Sinop, Aluízio Barros, que tem longa experiência em leilões de madeira doada. Barros considerou que o oficial acabou sendo ingênuo. “Na pressa de reformar o quartel, construir a sede da PM e tocar o projeto social, tomou decisões aceleradas” e isso, segundo ele teria “contrariado interesses locais e motivado denúncias ao MPE”.
O transporte da madeira levou cinco dias, acompanhado pela Ambiental. As toras ficaram mais de duas semanas no pátio para medição. O lote foi arrematado por R$ 120 mil. O frete, calculado a R$ 200 por m³ (medição comercial de 180 m³), somou cerca de R$ 36 mil. O responsável pela medição não participou da compra.
Mensagens trocadas
O MP afirma que as madeiras foram “leiloadas às pressas”, enquanto outros lotes aguardavam decisão judicial. Os policiais argumentam que a rapidez visava evitar desvalorização: “Elas ainda tinham valor”. Lotes antigos já haviam sido avaliados com perdas de até 10%.
A preocupação do capitão em não vender madeiras abaixo do preço já aparece em mensagens trocadas em 17 de maio de 2024, em outros lotes. O capitão informa ao promotor que havia vários interessados em um lote avaliado entre R$ 33 mil e R$ 36 mil e que, junto com o presidente do Conseg de Feliz Natal, decidiu que não seria vendido por menos do que isso. Em resposta, o promotor envia o print de uma oferta de R$ 20 mil, bem abaixo da avaliação. O leilão acabou não ocorrendo.
Em 19 de agosto, meses antes da ACP, o promotor pergunta, por mensagem, sem contestar o modelo via associação: “O Conseg vai fazer o leilão ou a associação?”
Nota do Promotor
Segundo a Promotoria, embora o comando da PM tenha solicitado orientações sobre os procedimentos, elas não teriam sido seguidas, resultando na falta de ampla divulgação do que o órgão classifica como “certame simulado”. Para o MP, a criação do Grêmio não seria ilegal, mas teria sido usada para acobertar atividade irregular. Afirma ainda que as madeiras foram “leiloadas às pressas” e que outros lotes antigos aguardavam decisão judicial. O caso está sub judice, e eventuais questionamentos da defesa serão analisados pela Justiça.
Nota da defesa
A defesa do capitão Ismael Rodrigues de Assis contesta veementemente as acusações. Segundo a defesa, não há qualquer ato, conduta ou decisão atribuível ao oficial que possa configurar fraude, desvio de recursos ou lesão ao erário. O advogado João Paulo Maia Oliveira, em nota afirma que “todo o processo envolvendo o recebimento, transporte, leilão e destinação das madeiras, bem como a criação do Grêmio, foi amplamente comunicado e supervisionado pelo próprio Ministério Público da Comarca”.
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Fonte da Matéria: EH FONTE

