A geografia da produção agrícola brasileira mudou de forma significativa nas últimas duas décadas. Um levantamento da Embrapa Territorial mostra que, desde os anos 2000, culturas tradicionais como cana-de-açúcar, laranja, soja, milho e algodão alteraram suas regiões de maior concentração — em alguns casos, com expansão para novos polos; em outros, com retração e reorganização das áreas produtivas.
O estudo, realizado com base na plataforma SITE-MLog, revela o redesenho do chamado Grupo 25 (G25) — conjunto de microrregiões responsáveis por 25% da produção nacional de cada cultura — entre os anos de 2000 e 2023. As mudanças, segundo os pesquisadores, refletem transformações estruturais da agropecuária brasileira, como a modernização tecnológica, a expansão das fronteiras agrícolas e o impacto de doenças em cultivos tradicionais.
Cana-de-açúcar foi uma das culturas que mais se expandiram
Marcelo Min
Cana-de-açúcar chega a novos polos
Entre as culturas analisadas, a cana-de-açúcar foi uma das que mais se expandiram. O volume produzido no país dobrou entre 2000 e 2023, e quatro novas microrregiões passaram a figurar entre as principais produtoras nacionais: Presidente Prudente (SP), São José do Rio Preto (SP), Sudoeste de Goiás (GO) e Uberaba (MG).
Em 2000, o G25 da cana incluía apenas seis microrregiões — cinco paulistas (Araraquara, Jaboticabal, Jaú, Ribeirão Preto e São Joaquim da Barra) e uma alagoana (São Miguel dos Campos). Hoje, o eixo de produção se deslocou para o interior do Sudeste e do Centro-Oeste, acompanhando a expansão das usinas sucroenergéticas.
Segundo o analista André Farias, da Embrapa Territorial, o aumento da produção veio tanto da incorporação de novas áreas quanto do crescimento moderado em regiões já consolidadas. “A cana expandiu fortemente para outras áreas do território nacional, principalmente Goiás e Mato Grosso do Sul”, afirma.
Greening tem afetado pés de laranja em SP
Divulgação/Embrapa
Laranja migra dentro de São Paulo
A produção de laranja permanece majoritariamente em São Paulo, porém vem se movimentando de microrregiões tradicionais para novos territórios — um deslocamento que combina fatores biológicos, climáticos e logísticos. O estudo da Embrapa Territorial revela que, em 2000, as microrregiões de Araraquara, Jaboticabal e São José do Rio Preto respondiam por 25% da produção nacional. Em 2023, esse protagonismo mudou para áreas como Avaré, Bauru, Botucatu e São João da Boa Vista.
Essa migração interna dentro do estado paulista está diretamente associada à incidência da doença do greening, considerada a pior da citricultura mundial, que tem dizimado pomares tradicionais e forçado produtores a buscar solos inéditos.
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Reportagem da Globo Rural no ano passado já mostrava  que, além de mudanças dentro de São Paulo, citricultores paulistas começam a migrar para outros estados — como Mato Grosso do Sul — “para fugir da doença e da seca” num cenário de escassez hídrica prolongada.
Esse movimento externo reforça a tese da Embrapa: não se trata apenas de um deslocamento interno, mas de uma real reconfiguração espacial da citricultura brasileira. Mesmo com a área de pomares em declínio em algumas zonas, o aumento da produtividade tem mantido estáveis os volumes nacionais — de modo que o país produz aproximadamente as mesmas quantidades de laranja nos últimos 20 anos, segundo a análise da Embrapa.
Lavoura de soja avança para diferentes regiões do país
Marcelo Beledeli/Globo Rural
Soja avança e milho se concentra
A soja, principal cultura agrícola do Brasil, continuou se expandindo, mas de forma descentralizada. Em 2000, quatro microrregiões — Parecis (MT), Alto Teles Pires (MT), Barreiras (BA) e Sudoeste de Goiás (GO) — respondiam por 25% da produção. Em 2023, Canarana (MT) e Dourados (MS) passaram a integrar o grupo.
A cultura cresceu sobretudo sobre áreas de pastagens degradadas, e novas fronteiras agrícolas surgiram no Matopiba, no norte do Mato Grosso, no Pará e na metade sul do Rio Grande do Sul. “A diminuição da concentração da soja é resultado direto da abertura de novas frentes de expansão”, diz Farias.
O milho, por sua vez, seguiu o caminho oposto. Embora a produção nacional tenha aumentado de 8 milhões para quase 35 milhões de toneladas nas microrregiões do G25, a cultura tornou-se mais concentrada. Em 2000, 13 microrregiões de sete estados respondiam por 25% da colheita; em 2023, apenas quatro microrregiões — Alto Teles Pires (MT), Sinop (MT), Sudoeste de Goiás (GO) e Dourados (MS) — somaram essa fatia.
O fenômeno está diretamente ligado à consolidação do milho safrinha como alternativa econômica no Centro-Oeste. “O cultivo de segunda safra depende fortemente das condições climáticas, o que restringe o potencial produtivo e reforça a concentração em áreas com melhor desempenho”, explica o analista.
Cultivo de algodão é vasto em Mato Grosso
Wenderson Araujo/CNA
Algodão é a cultura mais concentrada
Entre as principais commodities agrícolas, o algodão é hoje a mais concentrada geograficamente. Em 2023, a microrregião de Parecis (MT) respondeu sozinha por 25% da produção nacional. Em 2020, o grupo ainda incluía Primavera do Leste e Rondonópolis, também no Mato Grosso — evidenciando a predominância do estado na cotonicultura.
Novos desafios para a logística
As mudanças no mapa produtivo, destaca Farias, têm implicações logísticas e econômicas significativas. “Regiões que perdem uma atividade estratégica tendem a sofrer impactos socioeconômicos, enquanto novas áreas passam a demandar armazéns, rotas de escoamento, serviços financeiros e assistência técnica”, afirma.
O chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti, acrescenta que a análise territorial é essencial para o planejamento de longo prazo. “A Inteligência Territorial Estratégica busca antever esses cenários e fornecer informações que apoiem políticas públicas e decisões privadas, garantindo o desenvolvimento produtivo e sustentável do agronegócio brasileiro”, diz.