No Assentamento Triunfo, em Pontes e Lacerda (MT), Yasmin Leite, 15 anos, aprendeu a medir a água gota a gota e transformou 2.544 mudas de café em projeto de futuro. A lavoura de um hectare, irrigada por microaspersão, garante uso racional da água e abre caminho para frutos de melhor qualidade.
A cerca de 550 quilômetros dali, em Juína, Eduardo Lucena Vivian, 23, já colheu 50 sacas de café conilon em um hectare herdado do pai. Com 3 mil pés cultivados, ele reinveste a renda da produção e mostra que o café também pode ser alternativa concreta de permanência para jovens no campo.
Juntos, Yasmin e Eduardo representam a nova cafeicultura mato-grossense: jovem, técnica e sustentável.
“O café representa muito para nossa família e também para a região, porque aqui quase ninguém planta. Pode servir de incentivo para outras famílias da agricultura familiar”
— Yasmin Leite, jovem produtora
No centro dessa nova etapa está a tecnologia aplicada ao campo. A microaspersão, usada por Yasmin na lavoura de um hectare, permite que cada planta receba água de forma medida, com menor evaporação e maior uniformidade no crescimento. É um exemplo de como práticas simples, mas eficientes, podem elevar a qualidade do grão e tornar viável a permanência de jovens no campo.
“A gente começou vendo vídeos na internet e conversando com vizinhos. Depois conhecemos a Empaer (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural ) e a agrônoma veio até aqui, explicou tudo certinho, como comprar as mudas, onde plantar e como cuidar”, conta Yasmin.
A família iniciou o cultivo em abril de 2025, com mudas vindas de Tangará da Serra, região reconhecida pela produção de cafés de qualidade em Mato Grosso. O processo envolveu análise do solo, preparo das covas e implantação de um moderno sistema de irrigação por microaspersão, instalado com apoio técnico da Empaer-MT e de um produtor vizinho.
Irrigação por microaspersão
Eficiência hídrica no café: água na base das plantas, menos desperdício e desenvolvimento uniforme.
- 10 mil L/h
- Uso racional da água
- Água na base das plantas
- Desenvolvimento uniforme
- Qualidade na origem
Crédito: Primeira Página / arquivo
“A gente irriga de manhã e, às vezes, de tarde também, quando precisa. Não é muito indicado, mas a gente faz quando o café está pedindo água”, explica Yasmin, que aprendeu sobre manejo hídrico e adubação no dia a dia da lavoura. O sistema tem vazão de 10 mil litros de água por hora, controlada por microaspersores que garantem eficiência e uso racional da água, uma das práticas que fazem parte da sustentabilidade e da qualidade na produção do café brasileiro.
“Desde o início eu participei de tudo, das conversas até o plantio das mudas. Ver isso acontecendo é muito maravilhoso para mim”
O uso da microaspersão não apenas economiza água, mas também mantém a uniformidade no desenvolvimento das plantas, favorecendo a formação de frutos equilibrados, uma das bases para alcançar cafés de melhor padrão de bebida.
Mais do que uma cultura agrícola, o café se tornou um projeto de aprendizado e permanência no campo. “Me ajuda a ter conhecimento e também a continuar no campo. Eu gosto muito disso e quero fazer Agronomia”, diz.
Inspirada pela vivência, Yasmin pensa em criar uma conta no Instagram para mostrar a rotina da propriedade. “Pretendo fazer vídeos explicando nosso dia a dia, tirando fotos, porque sei que isso chama atenção de outros jovens”, afirma.
Yasmin mostra como a irrigação por microaspersão fortalece a cafeicultura em Mato Grosso
No Assentamento Triunfo, em Pontes e Lacerda, a jovem produtora de 15 anos explica como a água, aplicada gota a gota, garante sustentabilidade e qualidade ao cultivo familiar de café.
No vídeo acima, a adolescente mostra na prática como o aspersor foi instalado no solo, irrigando plantas em ambos os lados de cada fileira, garantindo a cobertura uniforme do cultivo. Ela explica ainda a dinâmica de mudança de setores: ao abrir um ponto de água, o sistema é direcionado para determinada área da lavoura e, após alguns minutos, o fluxo é ajustado para outro setor, de forma que cada espaço receba a quantidade necessária.
Yasmin comenta que o volume de água utilizado, equivalente a 10 mil litros por hora, distribuídos em ciclos de meia hora em cada setor. Segundo ela, a eficiência do sistema garante que a irrigação seja feita sem desperdício, bastando pequenos ajustes manuais quando algum aspersor apresenta falhas.

A experiência também ultrapassou as cercas da propriedade. Yasmin apresentou o projeto à turma da escola, unindo teoria e prática e despertando nos colegas o interesse pela agricultura. O relato virou exemplo de como o campo pode dialogar com a educação e abrir espaço para novos sonhos. “Como sou jovem, consigo chamar a atenção de outros jovens com formas diferentes de conversar”, diz, com timidez e orgulho.
📦 Como funciona a microaspersão
- Vazão do sistema: 10 m³/h (10 mil litros por hora), divididos em 3 setores.
→ Cada setor é irrigado por cerca de 20 minutos, garantindo cobertura uniforme. - Entrega por planta (estimada): 2.544 mudas em 1 hectare.
→ Em cada ciclo de 20 min/setor, a irrigação entrega cerca de 1,3 a 1,5 litro por planta. - Benefícios:
✅ Molha o solo na base, não as folhas → menos doenças fúngicas.
✅ Reduz evaporação → economia de até 30% de água vs. aspersão convencional.
✅ Mantém umidade uniforme → plantas crescem de forma equilibrada, favorecendo frutos de melhor qualidade. - Riscos e cuidados:
⚠️ Entupimento de emissores → rotina de flushing (limpeza das linhas) e filtros de água.
⚠️ Ajuste manual quando um emissor falha.
✔️ Manutenção preventiva garante eficiência hídrica e longevidade do sistema.
Infográfico • Primeira Página
A lavoura cultivada pela família de Yasmin é formada por 2.544 mudas de café robusta, distribuídas em um hectare, com clones como S2, N8G8, 2336, 0323 e 3213. Segundo a jovem, o plantio, iniciado há seis meses, já apresenta resultados visíveis no desenvolvimento das plantas após a implantação da irrigação e da adubação adequada. A primeira colheita é esperada dentro de um ano.
“Foi um trabalho novo, mas que agora faz parte de um sonho, porque estamos vendo que o café está se desenvolvendo e acreditamos que será um incentivo também para outras famílias da agricultura familiar da região”, disse Yasmin.
Ela contou que participou de todas as etapas, desde as conversas iniciais sobre o cultivo até o plantio das mudas, sempre com incentivo dos pais. O sistema de irrigação por microaspersores foi instalado com apoio técnico da Empaer, e a água utilizada vem de um poço da propriedade. Para Yasmin, o café se tornou mais que uma lavoura: é um projeto de aprendizado, permanência no campo e motivação para que outros jovens conheçam a cafeicultura.
Café como escolha de permanência

Já Eduardo Lucena cultiva café em um hectare que recebeu do pai. Em 2023, primeiro ano de resultado, ele colheu 50 sacas, vendidas a R$ 700 cada, o que lhe garantiu renda para reinvestir na lavoura e manter-se no campo.
“Aqui em casa, eu, meu pai e meu irmão trabalhamos juntos. Meu pai gerencia tudo e nós botamos o serviço para andar. O kit de irrigação que recebemos foi muito bom para organizar a área e facilitar o manejo”, diz Eduardo, destacando que a produção própria sempre foi o objetivo da família.
O café, para eles, é mais que uma lavoura, é permanência no campo, aprendizado e futuro.
Esse futuro, em Mato Grosso, já começa a ser desenhado também nos laboratórios. Enquanto famílias como a de Yasmin garantem sustentabilidade com uso racional da água, pesquisadores do estado exploram novos caminhos para o grão, transformando subprodutos como a casca, a película prateada e até o fruto inteiro do café verde em nanopartículas ricas em antioxidantes, minerais e compostos bioativos.
Fotomicrografia do café verde em estudo de nanotecnologia desenvolvido em Mato Grosso, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat). A técnica em lipossomas e outras nanoestruturas preserva antioxidantes e agrega valor à cadeia do café.
Infográfico • Primeira Página
A tecnologia, conduzida pela empresa Cafenólicos, coordenada pela pesquisadora farmacêutica doutora Wanessa Costa Silva Faria, e apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat), busca criar formulações para a indústria farmacêutica e cosmética, incluindo sabonetes, hidratantes e águas micelares.
O café verde, muitas vezes considerado um resíduo, passa a ser tratado como insumo de alto valor agregado, capaz de impulsionar a inovação e diversificar o destino da produção.
Jocir Kasecker Junior — Coordenador do Centro Regional de Pesquisa e Transferência de Tecnologia da Empaer em Sinop
MT é um dos 10 maiores produtores do Brasil
O coordenador do Centro Regional de Pesquisa e Transferência de Tecnologia da Empaer em Sinop, Jocir Kasecker Junior, destacou a importância do jovem empreendedor rural no avanço da cafeicultura em Mato Grosso. Segundo ele, o estado já figura entre os 10 maiores produtores de café do Brasil, resultado de investimentos em pesquisa, produção de mudas e validação de clones adaptados às condições locais.
“A cafeicultura sem irrigação em Mato Grosso se torna uma atividade não lucrativa. Com um sistema simples e de baixo custo, é possível alcançar qualidade e produtividade incomparáveis”, afirmou.
Ele ressaltou ainda que técnicos da Empaer, em parceria com a Embrapa e com apoio da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf), acompanham os produtores em todas as etapas, desde o planejamento da lavoura até o processamento do café, com o objetivo de fomentar a nova cafeicultura mato-grossense.
Perfil dos produtores rurais de Mato Grosso
Pesquisa Imea/Senar-MT (2024) • foco: idade, escolaridade e adoção tecnológica
A maioria está entre 36 e 65 anos, indicando um setor liderado por produtores experientes. A presença de jovens é minoritária, o que pressiona a sucessão familiar.
36–65 anos
maioria dos produtores
Desafio: sucessão Experiência no comando
Maioria com ensino superior; somente 1% está no ensino básico. A gestão do campo é cada vez mais técnica e profissional.
Formação elevada Gestão técnica
Uso de tecnologia
O produtor mato-grossense é conectado e operacionaliza o dia a dia com ferramentas digitais.
86% das propriedades têm internet — base para assistência técnica remota, gestão e comércio digital.
Cobertura 86% Campo conectado
27% são early adopters; 40% preferem observar antes de adotar. A difusão tecnológica avança, mas com perfis distintos.
Early adopters 27% Cautelosos 40%
Compras & Vendas digitais
35% compram insumos online e 23% vendem por plataformas digitais — tendências que ganham força com a conectividade no campo.
Compras 35% Vendas 23%
Jovens no campo, ainda são poucos
Apesar do avanço da tecnologia e da profissionalização no campo, a presença de jovens entre os produtores rurais de Mato Grosso ainda é limitada. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), divulgada em 2024, a maior parte dos agricultores do estado está na faixa etária de 36 a 65 anos. O dado evidencia um desafio crescente: a sucessão familiar e a permanência das novas gerações no meio rural.
O levantamento mostra que, embora haja interesse pontual de jovens em atividades ligadas à agropecuária, a gestão das propriedades permanece predominantemente nas mãos de produtores mais experientes. Para especialistas, esse cenário reforça a necessidade de políticas de incentivo, capacitação e valorização do papel do jovem no campo, de modo a garantir a continuidade e a inovação da agricultura mato-grossense nos próximos anos.
☕ A nova cafeicultura de Mato Grosso
Da retomada dos experimentos à nova geração sustentável liderada por jovens como Yasmin Leite.
2005–2010
Retomada dos experimentos
Testes de variedades de café arábica em Tangará da Serra e Juína, conduzidos pela Empaer e Embrapa Agrossilvipastoril.
2015–2018
Primeiros projetos assistidos
Pequenos produtores recebem apoio técnico e implantam irrigação por gotejamento e microaspersão.
2020–2024
Expansão familiar
A cafeicultura se expande para Pontes e Lacerda e Colniza, com foco em qualidade e agricultura familiar.
2025
Nova geração
Jovens como Yasmin Leite simbolizam o futuro: sustentabilidade, irrigação eficiente e aprendizado técnico no campo.
Fontes: Empaer-MT • Conab • CNC • OCB
O movimento reflete uma tendência nacional. Segundo o Conselho Nacional do Café (CNC) e a Conab, o Brasil segue como o maior produtor e exportador mundial de café, com aproximadamente 36 milhões de sacas colhidas na safra 2023/24. Em Mato Grosso, a expansão da cultura é guiada por tecnologia, sustentabilidade e o envolvimento de novas gerações.
O Estado aposta em cafés de alta qualidade e em sistemas produtivos sustentáveis, impulsionados por boas práticas agrícolas e parcerias com cooperativas e instituições de pesquisa. Esse modelo, que alia eficiência técnica e responsabilidade social, é defendido pelo CNC e pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) como base para o futuro da cafeicultura nacional.
Aumento na produtividade
NÚMEROS QUE EXPLICAM O AVANÇO
Contexto para a nova geração do café: produtividade em alta, base familiar fortalecida e eficiência no uso da terra.
+258,7%
Crescimento da produtividade (2015–2023) — Embrapa
22,6 sc/ha
Produtividade média (2023); era 6,3 sc/ha em 2015
270 mil sacas
Produção prevista para 2025
11,6 mil ha
Área atual (queda ante 20 mil ha em 2014), com mais eficiência
8.050 postos
Empregos gerados (2015–2023)
+ inclusão
Mais mulheres, jovens e povos indígenas na atividade
100% familiar
Produção conduzida por agricultores familiares
MT Produtivo Café
Assistência técnica, mudas, mecanização, calcário e irrigação (Seaf & Empaer)
ICMS isento
Sobre café cru vendido à indústria local (estimula beneficiamento interno)
9º no país
Entre os maiores produtores de café do Brasil
Nos últimos anos, o estado ampliou a produtividade em mais de 250%, segundo a Embrapa, reflexo de investimentos em melhoramento genético, mecanização e manejo sustentável. O programa Mato Grosso Produtivo Café, conduzido pela Secretaria de Agricultura Familiar (Seaf) e Empaer, oferece assistência técnica e insumos diretamente às propriedades, o que fez com que toda a produção estadual esteja nas mãos de agricultores familiares.
Mesmo com menos área plantada, a produção cresceu e alcançou 270 mil sacas previstas para 2025, cultivadas em 11,6 mil hectares, sinal de eficiência e de modernização do campo. O setor já gera mais de oito mil empregos e vem atraindo mulheres, jovens e povos indígenas para a atividade.
lém do avanço técnico, medidas como a isenção do ICMS sobre o café cru vendido à indústria local fortalecem a renda dos produtores e estimulam o beneficiamento dentro do próprio estado, consolidando Mato Grosso entre os dez maiores produtores do país.
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