Seja Bem Vindo - 24/10/2025 17:07

jovens irrigam a cafeicultura sustentável para permanecer no campo

No Assentamento Triunfo, em Pontes e Lacerda (MT), Yasmin Leite, 15 anos, aprendeu a medir a água gota a gota e transformou 2.544 mudas de café em projeto de futuro. A lavoura de um hectare, irrigada por microaspersão, garante uso racional da água e abre caminho para frutos de melhor qualidade.

A cerca de 550 quilômetros dali, em Juína, Eduardo Lucena Vivian, 23, já colheu 50 sacas de café conilon em um hectare herdado do pai. Com 3 mil pés cultivados, ele reinveste a renda da produção e mostra que o café também pode ser alternativa concreta de permanência para jovens no campo.

Juntos, Yasmin e Eduardo representam a nova cafeicultura mato-grossense: jovem, técnica e sustentável.

“O café representa muito para nossa família e também para a região, porque aqui quase ninguém planta. Pode servir de incentivo para outras famílias da agricultura familiar”

— Yasmin Leite, jovem produtora

No centro dessa nova etapa está a tecnologia aplicada ao campo. A microaspersão, usada por Yasmin na lavoura de um hectare, permite que cada planta receba água de forma medida, com menor evaporação e maior uniformidade no crescimento. É um exemplo de como práticas simples, mas eficientes, podem elevar a qualidade do grão e tornar viável a permanência de jovens no campo.

“A gente começou vendo vídeos na internet e conversando com vizinhos. Depois conhecemos a Empaer (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural ) e a agrônoma veio até aqui, explicou tudo certinho, como comprar as mudas, onde plantar e como cuidar”, conta Yasmin.

A família iniciou o cultivo em abril de 2025, com mudas vindas de Tangará da Serra, região reconhecida pela produção de cafés de qualidade em Mato Grosso. O processo envolveu análise do solo, preparo das covas e implantação de um moderno sistema de irrigação por microaspersão, instalado com apoio técnico da Empaer-MT e de um produtor vizinho.

“A gente irriga de manhã e, às vezes, de tarde também, quando precisa. Não é muito indicado, mas a gente faz quando o café está pedindo água”, explica Yasmin, que aprendeu sobre manejo hídrico e adubação no dia a dia da lavoura. O sistema tem vazão de 10 mil litros de água por hora, controlada por microaspersores que garantem eficiência e uso racional da água, uma das práticas que fazem parte da sustentabilidade e da qualidade na produção do café brasileiro.

“Desde o início eu participei de tudo, das conversas até o plantio das mudas. Ver isso acontecendo é muito maravilhoso para mim”

— Yasmin Leite

O uso da microaspersão não apenas economiza água, mas também mantém a uniformidade no desenvolvimento das plantas, favorecendo a formação de frutos equilibrados, uma das bases para alcançar cafés de melhor padrão de bebida.

Mais do que uma cultura agrícola, o café se tornou um projeto de aprendizado e permanência no campo. “Me ajuda a ter conhecimento e também a continuar no campo. Eu gosto muito disso e quero fazer Agronomia”, diz.

Inspirada pela vivência, Yasmin pensa em criar uma conta no Instagram para mostrar a rotina da propriedade. “Pretendo fazer vídeos explicando nosso dia a dia, tirando fotos, porque sei que isso chama atenção de outros jovens”, afirma.

Yasmin mostra como a irrigação por microaspersão fortalece a cafeicultura em Mato Grosso

No Assentamento Triunfo, em Pontes e Lacerda, a jovem produtora de 15 anos explica como a água, aplicada gota a gota, garante sustentabilidade e qualidade ao cultivo familiar de café.

No vídeo acima, a adolescente mostra na prática como o aspersor foi instalado no solo, irrigando plantas em ambos os lados de cada fileira, garantindo a cobertura uniforme do cultivo. Ela explica ainda a dinâmica de mudança de setores: ao abrir um ponto de água, o sistema é direcionado para determinada área da lavoura e, após alguns minutos, o fluxo é ajustado para outro setor, de forma que cada espaço receba a quantidade necessária.

Yasmin comenta que o volume de água utilizado, equivalente a 10 mil litros por hora, distribuídos em ciclos de meia hora em cada setor. Segundo ela, a eficiência do sistema garante que a irrigação seja feita sem desperdício, bastando pequenos ajustes manuais quando algum aspersor apresenta falhas.

HQ PP

A experiência também ultrapassou as cercas da propriedade. Yasmin apresentou o projeto à turma da escola, unindo teoria e prática e despertando nos colegas o interesse pela agricultura. O relato virou exemplo de como o campo pode dialogar com a educação e abrir espaço para novos sonhos. “Como sou jovem, consigo chamar a atenção de outros jovens com formas diferentes de conversar”, diz, com timidez e orgulho.

📦 Como funciona a microaspersão

  • Vazão do sistema: 10 m³/h (10 mil litros por hora), divididos em 3 setores.
    → Cada setor é irrigado por cerca de 20 minutos, garantindo cobertura uniforme.
  • Entrega por planta (estimada): 2.544 mudas em 1 hectare.
    → Em cada ciclo de 20 min/setor, a irrigação entrega cerca de 1,3 a 1,5 litro por planta.
  • Benefícios:
    ✅ Molha o solo na base, não as folhas → menos doenças fúngicas.
    ✅ Reduz evaporação → economia de até 30% de água vs. aspersão convencional.
    ✅ Mantém umidade uniforme → plantas crescem de forma equilibrada, favorecendo frutos de melhor qualidade.
  • Riscos e cuidados:
    ⚠️ Entupimento de emissores → rotina de flushing (limpeza das linhas) e filtros de água.
    ⚠️ Ajuste manual quando um emissor falha.
    ✔️ Manutenção preventiva garante eficiência hídrica e longevidade do sistema.

Infográfico • Primeira Página

A lavoura cultivada pela família de Yasmin é formada por 2.544 mudas de café robusta, distribuídas em um hectare, com clones como S2, N8G8, 2336, 0323 e 3213. Segundo a jovem, o plantio, iniciado há seis meses, já apresenta resultados visíveis no desenvolvimento das plantas após a implantação da irrigação e da adubação adequada. A primeira colheita é esperada dentro de um ano.

“Foi um trabalho novo, mas que agora faz parte de um sonho, porque estamos vendo que o café está se desenvolvendo e acreditamos que será um incentivo também para outras famílias da agricultura familiar da região”, disse Yasmin.

Ela contou que participou de todas as etapas, desde as conversas iniciais sobre o cultivo até o plantio das mudas, sempre com incentivo dos pais. O sistema de irrigação por microaspersores foi instalado com apoio técnico da Empaer, e a água utilizada vem de um poço da propriedade. Para Yasmin, o café se tornou mais que uma lavoura: é um projeto de aprendizado, permanência no campo e motivação para que outros jovens conheçam a cafeicultura.

Café como escolha de permanência

HQ EDUARDO

Já Eduardo Lucena cultiva café em um hectare que recebeu do pai. Em 2023, primeiro ano de resultado, ele colheu 50 sacas, vendidas a R$ 700 cada, o que lhe garantiu renda para reinvestir na lavoura e manter-se no campo.

“Aqui em casa, eu, meu pai e meu irmão trabalhamos juntos. Meu pai gerencia tudo e nós botamos o serviço para andar. O kit de irrigação que recebemos foi muito bom para organizar a área e facilitar o manejo”, diz Eduardo, destacando que a produção própria sempre foi o objetivo da família.

O café, para eles, é mais que uma lavoura, é permanência no campo, aprendizado e futuro.

Esse futuro, em Mato Grosso, já começa a ser desenhado também nos laboratórios. Enquanto famílias como a de Yasmin garantem sustentabilidade com uso racional da água, pesquisadores do estado exploram novos caminhos para o grão, transformando subprodutos como a casca, a película prateada e até o fruto inteiro do café verde em nanopartículas ricas em antioxidantes, minerais e compostos bioativos.

Fotomicrografia do café verde em estudo de nanotecnologia desenvolvido em Mato Grosso, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat). A técnica em lipossomas e outras nanoestruturas preserva antioxidantes e agrega valor à cadeia do café.

Infográfico • Primeira Página

A tecnologia, conduzida pela empresa Cafenólicos, coordenada pela pesquisadora farmacêutica doutora Wanessa Costa Silva Faria, e apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat), busca criar formulações para a indústria farmacêutica e cosmética, incluindo sabonetes, hidratantes e águas micelares.

O café verde, muitas vezes considerado um resíduo, passa a ser tratado como insumo de alto valor agregado, capaz de impulsionar a inovação e diversificar o destino da produção.

Jocir Kasecker Junior — Coordenador do Centro Regional de Pesquisa e Transferência de Tecnologia da Empaer em Sinop

MT é um dos 10 maiores produtores do Brasil

O coordenador do Centro Regional de Pesquisa e Transferência de Tecnologia da Empaer em Sinop, Jocir Kasecker Junior, destacou a importância do jovem empreendedor rural no avanço da cafeicultura em Mato Grosso. Segundo ele, o estado já figura entre os 10 maiores produtores de café do Brasil, resultado de investimentos em pesquisa, produção de mudas e validação de clones adaptados às condições locais.

“A cafeicultura sem irrigação em Mato Grosso se torna uma atividade não lucrativa. Com um sistema simples e de baixo custo, é possível alcançar qualidade e produtividade incomparáveis”, afirmou.

Ele ressaltou ainda que técnicos da Empaer, em parceria com a Embrapa e com apoio da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf), acompanham os produtores em todas as etapas, desde o planejamento da lavoura até o processamento do café, com o objetivo de fomentar a nova cafeicultura mato-grossense.

Perfil dos produtores rurais de Mato Grosso

Pesquisa Imea/Senar-MT (2024) • foco: idade, escolaridade e adoção tecnológica

A maioria está entre 36 e 65 anos, indicando um setor liderado por produtores experientes. A presença de jovens é minoritária, o que pressiona a sucessão familiar.

Desafio: sucessão Experiência no comando

Maioria com ensino superior; somente 1% está no ensino básico. A gestão do campo é cada vez mais técnica e profissional.

Formação elevada Gestão técnica

Uso de tecnologia

O produtor mato-grossense é conectado e operacionaliza o dia a dia com ferramentas digitais.

86% das propriedades têm internet — base para assistência técnica remota, gestão e comércio digital.

Cobertura 86% Campo conectado

27% são early adopters; 40% preferem observar antes de adotar. A difusão tecnológica avança, mas com perfis distintos.

Early adopters 27% Cautelosos 40%

Compras & Vendas digitais

35% compram insumos online e 23% vendem por plataformas digitais — tendências que ganham força com a conectividade no campo.

Compras 35% Vendas 23%

Jovens no campo, ainda são poucos

Apesar do avanço da tecnologia e da profissionalização no campo, a presença de jovens entre os produtores rurais de Mato Grosso ainda é limitada. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), divulgada em 2024, a maior parte dos agricultores do estado está na faixa etária de 36 a 65 anos. O dado evidencia um desafio crescente: a sucessão familiar e a permanência das novas gerações no meio rural.

O levantamento mostra que, embora haja interesse pontual de jovens em atividades ligadas à agropecuária, a gestão das propriedades permanece predominantemente nas mãos de produtores mais experientes. Para especialistas, esse cenário reforça a necessidade de políticas de incentivo, capacitação e valorização do papel do jovem no campo, de modo a garantir a continuidade e a inovação da agricultura mato-grossense nos próximos anos.

☕ A nova cafeicultura de Mato Grosso

Da retomada dos experimentos à nova geração sustentável liderada por jovens como Yasmin Leite.

2005–2010

Retomada dos experimentos

Testes de variedades de café arábica em Tangará da Serra e Juína, conduzidos pela Empaer e Embrapa Agrossilvipastoril.